sábado, 13 de dezembro de 2014

Tiro no pé

Não é nada pessoal, mas, enquanto você lê este parágrafo, tem gente em todas as chancelarias do mundo detestando a ideia de comparecer à posse da presidente Dilma Rousseff. 


Em condições normais, seria uma alegria assistir a uma cerimônia festiva em um país simpático. Acontece que a Constituição de 1988 estabeleceu a data da posse presidencial em 1º de janeiro. 


Ou seja, razão para essa má vontade internacional nós mesmos criamos: quem acha graça em passar o Réveillon trabalhando, distante dos amigos e da família? 


Quando a Constituinte tomou essa decisão, pretendia que as datas do mandato presidencial coincidissem com as do exercício fiscal, de 1/01 a 31/12. 

Administrativamente, faz sentido. Do ponto de vista diplomático, no entanto, pouca coisa é mais inconveniente. 


Fazer uma cerimônia de posse coincidir com uma das datas mais festejadas do mundo é dar tiro no próprio pé. Se fosse uma cerimônia apenas para brasileiros, menos mau, seriam nossas idiossincrasias, os prejuízos ficariam por aqui. Mas convidam-se praticamente todos os chefes de Estado, que comparecem ou mandam representantes. 


O legislador brasileiro parece ter esquecido que uma das funções da posse presidencial é diplomática. Em termos de política externa, o evento permite uma série de contatos diretos entre autoridades governamentais de alto nível. As delegações que comparecem encontram-se com suas contrapartes e várias sinergias se iniciam. 


Também serve como laboratório para avaliar o nível de importância que os países atribuem à relação com o Brasil. Os Estados Unidos, por exemplo, que estão com o filme queimado depois de terem espionado o celular da presidente, vão mandar o vice-presidente Joe Biden, em lugar da então secretária de Estado, Hillary Clinton, que veio à posse do primeiro mandato de Dilma. 


Naquela ocasião, 23 chefes de Estado ou governo compareceram. Não é pouca coisa, mas poderiam ser muitos mais. Países que gostariam de se representar em nível adequado acabam não o fazendo dada a inconveniência da data. 


Impor uma posse presidencial aos países amigos no primeiro dia do ano é um ato no mínimo inconveniente, que denota pouca noção de como se conduzem as relações diplomáticas. Como inspirar boa vontade em alguém que você forçou a abandonar a família durante as festas de fim de ano? É quase convidar para piquenique na chuva. Para o empossado, trata-se de um mau começo. 


O legislador errou ao negligenciar o potencial político do evento, mas pior que errar é persistir no erro. Existe, sob exame do Congresso, uma PEC de autoria do senador José Sarney que propõe, entre outras, a mudança da data da posse para 10 de janeiro. Sabe quando falam de aperfeiçoamento democrático? Isso também faz parte. 


A posse é uma cerimônia custosa aos cofres públicos. Deve ser aproveitada em todo o seu potencial, inclusive diplomático. O Brasil merece que o Congresso aprove a proposta de emenda à Constituição prontamente e que Dilma Rousseff seja o último presidente brasileiro empossado na ressaca do Réveillon. 

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