domingo, 26 de março de 2017

Tenho 'birra homérica' de Dilma, diz presidente da Andrade Gutierrez

 

Ricardo Borges/Folhapress
Retrato de Ricardo Sena, presidente do grupo Andrade Gutierrez
Retrato de Ricardo Sena, presidente do grupo Andrade Gutierrez

26/03/2017 02h00

Presidente do conselho de administração do grupo Andrade Gutierrez, Ricardo Sena não está envolvido nas irregularidades confessadas pela empresa às autoridades. 

Mas seu nome já apareceu na Lava Jato. Numa troca de mensagens entre executivos do grupo, ele aparece reclamando da vitória da petista Dilma Rousseff em 2014, quando derrotou o tucano Aécio Neves. 
Neste trecho da entrevista concedida à Folha, Sena, que hoje comanda um dos maiores grupos do país, disse que não gosta do PT, mas que tem "birra homérica" de Dilma.

Ele refuta, contudo, que seja apoiador de Aécio ("Não tenho o menor apreço"). Diz que também não gosta de Michel Temer ("Não acho ruim, mas sou da turma dos decepcionados"). 

Folha - O senhor tem birra do PT? O senhor aparece na Lava Lato numa troca de mensagens com outros executivos da Andrade reclamando da vitória de Dilma Rousseff em 2014.
Ricardo Sena - Meu comentário foi: "vergonha de ser mineiro". Se eu gosto do PT? Não gosto. Porque não gosto desses esquerdismos populistas, aqui e em lugar nenhum. Não gosto de ninguém que entra por esse lado. Não tenho interesse político, mas acho que não constrói país. Não tenho nada contra a agremiação PT. Não sou partidário. Não gosto é do jeito de pensar. Mas eu tinha mesmo uma birra homérica da Dilma. É só ver ela falar francês. Eleger um troço desse não dá. Eu tinha que ficar com vergonha da minha terra [Minas Gerais]. Aí você vai me perguntar se eu gosto do Aécio [Neves]. Não tenho o menor apreço. 

O senhor gosta de algum político? Gosta do Temer?
Não. Mas não é porque acho que ele é ruim. Sou da turma dos decepcionados. Não vejo pessoas que penso: nossa, vou votar nesse cara, porque eu gosto. Não tenho. Então voto no menos ruim. Votei no Aécio porque eu achava ele menos ruim que a Dilma. Mas sou do Aécio? Sou nada! 

Quando o senhor vê a economia retomando?
A economia tem reagido bem, mas o lado político é interrogação. Fico pensado que o [presidente] Temer, de um jeito ou de outro, aos trancos e barrancos, vai chegar ao fim. Acho que botou na cabeça que precisa fazer um governo reformista porque, senão, vai entrar para a história como? Só porque tirou a Dilma? Se for isso, vai ficar mais é como golpe.
Ele vai fazer pressão enorme para passar as reformas. Se for feito, o país retoma certo rumo. 

Qual sua avaliação sobre o governo Temer?
Acho que está indo bem. Essas reformas são vitais para o país. A gente vê passeata... O Brasil pensa pequeno demais. Isso me dá uma tristeza. Tem que fazer uma conta matemática. A conta não fecha. Você vai privatizar a Cedae [companhia de água do Rio], os caras param a cidade. E o cidadão que se locupleta [diz]: vai acabar com a minha boquinha, não. Você paga os maiores salários e tem o pior serviço e apoia. Por quê? Porque é contra a privatização. Exatamente o que quer dizer isso? Nem sabe. Esse tipo de coisa que eu não gosto. 

O que é necessário fazer para destravar o crédito no BNDES [A Andrade tem linhas de financiamento a serviços prestados no exterior bloqueadas pelo banco]?
A turma confunde delação, que gera a pena. A leniência é justamente a pena da empresa. Nos já pagamos mais de R$ 300 milhões [do acordo com o Ministério Público, no qual a empresa se comprometeu a pagar R$ 1 bilhão] em troca de absolutamente nada. Nem imagem nem algo prático. 

O BNDES não pagou, a Petrobras não tirou da lista. Só de penitência. O Brasil está muito confuso. Quando o pessoal de AGU [Advocacia-Geral da União], CGU [Controladoria-Geral da União, atual Ministério da Transparência] diz que não vale... Mas gente: como que uma coisa feita pelo Ministér
io Publico, homologada pelo juiz, pelo STF [Supremo Tribunal Federal] não vale? Então o que vale? 

Quanto vocês já fizeram e o banco ainda não pagou?
Uns US$ 150 milhões é o que já estava lá dentro tramitado. Na verdade, é muito mais. Eu já tinha feito serviços que não tramitaram mais no banco, porque quando ele travou o pagamento do atraso, não deu mais sequência [à análise desses]. É beirando os US$ 300 milhões. 

As obras estão paradas?
Paramos. Gana, Venezuela, Moçambique e Republica Dominicana. Esse financiamento não é para nós. É para o país, sou só interveniente no contrato. Não sou tomador. Ai eu tenho que parar a obra lá. O cara está adimplente no contrato, não deve nada. Não tem nada a ver com a Lava Jato. Olha o imbróglio. 

No exterior, estão negociando leniência com outros governos?
Não temos. Há duas coisas que precisamos lembrar. Uma é pagamento de propina, que você precisa ter quem pagou, o CPF do recebedor e tal. O outro, que é muito mais abrangente, é o cartel. Essa denúncia [de conluio] existe na América Latina. Vai ter que provar. Pode ser que a gente tenha reflexos, mas é muito mais nesse campo de cartel. 

É o caso da montagem de Angra 3. Não ganhamos dinheiro nenhum com aquilo, nem começou. Aliás perdemos dinheiro. Mas aquilo foi considerado um cartel e, de fato, ficou provado. E você é obrigado a pagar no Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica]. Aliás, o Cade tem atuado de forma técnica. Ele não fica alegando que não vale... Faz o que tem que fazer. Acho que CGU não sabe o que tem de fazer. Nós entramos lá em novembro de 2015. Ou seja, tem um ano e meio.

RAIO-X
Cargo: presidente do grupo e do conselho de administração da Andrade Gutierrez
Formação: engenharia civil pela UFMG e finanças pela FGV-SP
Trajetória: entrou na empresa em 1981 como coordenador de engenharia e orçamentos. Foi presidente da Andrade Gutierrez Concessões até 2012, quando assumiu a presidência da construtora. Em 2015, acumulou o posto com a presidência do grupo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

POLÍTICA E ECONOMIA